terça-feira, 3 de agosto de 2010

Como se livrar de uma cantada inconveniente

Daí a Pessoa foi ao Supermercado.

Começo de mês, hora de reabastecer a despensa, aquela coisa toda, então a Pessoa escolheu uma segunda-feira à tarde pra tentar pelo menos evitar o congestionamento de carrinhos nos corredores provocado pelas pessoas alvoroçadas do final de semana.

Segundo sua experiência pessoal, segundas-feiras à tarde são sempre uma boa opção; enquanto pessoas normais trabalham, apenas meia dúzia de donas de casa dedicadas e senhorinhas desocupadas aventuram-se nas compras. Nada de corredores superlotados.

#Partiu.

Circulou sem muita pressa por todos os corredores em zigue-zague, como costuma fazer para não esquecer de nenhum item, já que preparar lista de compras nunca foi seu forte.

O carrinho já estava bem cheio quando a Pessoa chegou ao corredor 11, aquele onde ficam as massas (macarrão e afins) de um lado e os molhos e derivados de tomate do outro. Foi andando vagarosamente, tentando lembrar de tudo que precisava. Pegou um pacote de linguini e outro de penne. E voltou suas atenções para os molhos de tomate, à procura do seu preferido.

Encostou o carrinho junto à prateleira enquanto escolhia a melhor marca, e lia o rótulo de uma embalagem distraidamente quando foi abordada pelo tiozinho:

"_ Moça, com licença, você parece entender de molhos de tomate. Saberia me dizer se este aqui é bom?", e chacoalhou diante dos olhos da Pessoa uma lata de pomarola.

A Pessoa então endireitou a postura que estava levemente curvada, apertou os olhos pra se certificar de que era mesmo o pomarola e não uma outra marca desconhecida, e respondeu simpaticamente para o tiozinho:

"_ É... esse aí é bom sim... quer dizer, pelo menos EU gosto."

"_ Sabe o que é, moça? É que eu tenho um comércio, sabe? Sou empresário do ramo de carnes, e faz alguns meses que comecei a vender algumas coisas também além de carne, e como esse molho está em promoção, eu tava pensando em levar uns 15 pra deixar lá e vender, o que você acha?"

A vontade real da Pessoa era mandar um "E o Kiko tenho a ver com isso", porque a Pessoa é meio arisca e odeia essas conversinhas de ocasião, mas sua boa educação recebida desde a mais tenra idade a impediram de cometer uma grosseria, e ela limitou-se a balançar a cabeça, mais uma vez tentando ser minimamente cortês.

Grande erro.
Jamais tente ser simpático com alguém que lhe pergunta sobre molhos de tomate no supermercado. Saia correndo, se puder.

Tentando se livrar do tiozinho, que já demonstrava claramente ser mais um dos muitos doidos que seu pára-raio sempre atrai, a Pessoa puxou o carrinho pra tentar seguir adiante no corredor 11, e foi então que percebeu que o carrinho do tiozinho estava posicionado de uma maneira nada casual que travava completamente sua movimentação.

Voltou o olhar para o velho e deu um sorriso amarelo, querendo pedir licença. Mas o infeliz não se fez de rogado, e prosseguiu no seu discurso:

"_ Olha, moça, você desculpe por eu estar te incomodando, é que mulher sabe mais dessas coisas de molho de tomate do que a gente, né? E minha mulher nem está aqui pra me ajudar, minha mulher está lá em Fortaleza, nós somos de lá mas já estamos aqui em SP há mais de 30 anos. Eu estive lá no mês passado, agora é a vez dela, e enquanto ela está lá, né? Eu fico aqui cuidando das coisas, sozinho..." (e deu aquela erguidinha canastrona de sobrancelha).

A Pessoa já começava a se irritar, queria que aquele velho parasse de falar, pelamordedadá, tirasse seu carrinho do caminho e a deixasse terminar suas compras em paz, mas certas pessoas jamais se tocam, e o tiozinho, ignorando totalmente a cara de poucos amigos da Pessoa, prosseguiu:

"_Sabe, menina (sic!), eu não sei se você está com seu marido aí... (e deu uma esticada no pescoço em direção ao final do corredor, como quem procura alguém), mas Fortaleza é o paraíso para qualquer homem. Estive lá no mês passado e só não tive todas as mulheres da cidade porque não quis. É impressionante como as mulheres adoram homens como eu por lá" - e soltou uma risadinha convencida.

"_Homens como eu assim, de meia idade mas que tem algum charme, né? Sabe que uma moça me apelidou de Maradona, por causa do Maradona da novela. Disse que queria ser minha Giovanna Antonelli, que se apaixonou por mim... Agora você vê, eu sou casado há 30 anos, amo minha mulher, mas esse é o tipo de coisa que acontece com homens como eu..."

Mais uma vez a Pessoa tentou puxar seu carrinho, novamente sem sucesso, e quase bufando pediu licença energicamente ao desinfeliz, que prosseguiu:

"_ Essa moça que eu conheci lá em Fortaleza, né? Uma das que conheci, porque foram várias. Essa moça tem 18 anos. Agora você vê, 18 aninhos, um pitéu, e só ontem ela me ligou 27 vezes..." - e neste momento Maradona sacou o celular e tentou mostrar pra Pessoa as tais 27 ligações, mas a Pessoa nem prestou atenção.

"_ E você sabe que o apelido Maradona pegou, porque eu até me acho parecido com ele mesmo, você não acha?", mas antes que a Pessoa pudesse responder, ele emendou mais uma vez:

"_ Eu gosto da minha mulher, sabe? Acho que casamentos como o meu nem existem mais, estou casado há 30 anos, mas entende como a vida é? A moça me ligou 27 vezes ontem, disse que se eu não ficar com ela, vai fazer uma besteira..." - Maradona a esta altura mostrava uma visível obsessão pelo número 27.

A Pessoa, já absolutamente impaciente, apenas disse:

"_Ai, moço, me dá licença que eu preciso mesmo ir!"
, mas foi surpreendida por Mardona, mais uma vez obcecado no número 27:

"_ Ah, desculpe, moça, eu não quero te atrapalhar, mas antes de você ir embora, me diga, você não acha que uma pessoa que te liga 27 vezes tá querendo muito alguma coisa? Você acha que eu devia sair com ela? Porque ela é bem bonita, assim como você, sabe? Você até tá me lembrando ela, e você tá mais perto, né?", e deu outra risadinha sacana, retribuída com a cara amarrada da Pessoa, que a essa altura bufava.

"_ Veja, estou apenas conversando com você aqui, enquanto minha mulher tá lá em Fortaleza. Eu sei que tô tranquilo, estava lá até outro dia, minha mulher não me trairia, nem teria com quem, mas será que não é bobeira eu deixar passar as oportunidades que tenho aqui sozinho? Porque, veja, agora, por exemplo, eu tô aqui conversando com você, e você é muito bonita. Vamos supor que eu faça o seu tipo..."

A Pessoa teve que interromper e dizer: "Olha só, senhor, eu realmente não estou interessada na sua história agora, estou com pressa, me dê licença, por favor". E Maradona:

"_ Ah, ok, desculpe... é que você é mesmo muito bonita, e eu pensei que talvez você pudesse me dar seu telefone... Eu não sou safado não, nem nada... mas é que mulher é a melhor coisa do mundo, né? Eu realmente nunca soube de coisa melhor feita por Deus do que mulher... Não resisto a nenhuma!"

Neste momento a cara sisuda da Pessoa se desfez, ela abriu um sorriso vitorioso e disse:

"_ Ah... agora o senhor falou uma grande verdade. Aí sim, estamos de acordo. E, sabe, seu Maradona, mulher é uma coisa tão boa, mas tão boa, que eu também não entendo como tantas delas gostam de Homens! Fico passada! Mas, o senhor sabe, né? Tem gosto pra tudo..."

Maradona emudeceu, arregalou os olhos, fez um sinal negativo com a cabeça, como quem se lamenta, puxou seu carrinho e saiu empurrando-o pelo corredor, desolado.

E a Pessoa seguiu na direção oposta, rindo muito da situação patética, e do seu eterno talento para atrair todos os tipos de freaks do mundo, em qualquer lugar!

Fim.

Esta história é baseada em fatos reais, mas apenas baseada. Os nomes dos personagens foram trocados e/ou omitidos para garantir a privacidade dos envolvidos.

Um comentário:

Jacke Gense disse...

Ai Flávia.. acho que não conheço pessoa no mundo que atrai pessoas assim... hahahaha
só vc mesmo...
Ri muitooooo!